Hoje me pus a andar, com os passos a ponderar sobre o tempo, distraído e com a alma vazia.
Me peguei onde eu estivea muitos anos atrás, quando eu era criança.
De repente assustei quando passou por mim um vulto, correndo, uma criança brincando de pega com a Felicidade.
Era a sombra da minha infância, a minha imagem encolhida.
Depois que a Felicidade segurou a criança por um braço e disse: “Tá com você!” E saiu correndo em direção contrária, a minha imagem infantil também começou a correr mas antes de prosseguir com a brincadeira ela parou defronte a mim.
Eu tinha uma singeleza no sorriso e sorrindo disse:
_Calma, você ainda não viu metade da sua vida. A alegria que perdeu hoje irá retornar. Assim como amanhã sempre temos um novo dia.
Enfiou a mão no bolso e entre chicletes e figurinhas tirou de lá um pequeno circulo de luz. Uma luz que emanava um calor forte e tão brilhante que era aos meus olhos me doía.
Me pediu para ajoelhar. Ajoelhei, aceitando o que ela me pedia.
Eu tinha quase a mesma altura da sombra da minha infância.
Com um sorriso ainda mais terno, deslocou a luz que estava em sua mão direto para o meu coração e então o meu corpo explodia!
Senti a delicadeza de um mundo que antes eu não vivia e o este mundo também pareceu sentir a mim.
Percebi que a maioria das pessoas, mesmo jovens, eram cheias de rugas, caquéticas e reumáticas e nesse processo fui perdendo as linhas de expressões que tinha.
Voltei a mim e me vi em lágrimas por tantas emoções que eu sentia.
A criança se despediu de mim. Era a minha imagem me acenando uma despedida. Deu a mão para a Felicidade e voltou a correr desimpedida.
E eu ali, que antes me achava grande, de joelhos eu percebia que muito pouco eu sabia da vida.
Me levantei e voltei a andar. Ainda que sem rumo mas com uma alma muito menos vazia.
_Última? Mas o que é isso agora? Tem câncer e esqueceu de me contar?
_Não! Me escute e responda, e se essa fosse a nossa última noite?
_Assaltaria algum lugar, nu! E você teria que ser minha comparsa!
_Fala sério, ao menos agora. O mundo a acabar, nossa última noite. Me diz, o que você faria?
_Eu me afastaria de você.
_Eu acho que não entendi direito ou você não entendeu tão bem a gravidade da pergunta...
_É simples, se essa fosse a nossa última noite eu escolheria não estar perto de você.
_Você entendeu que é a última noite?
_Sim.
_Nossa?
_Sim.
_E quer passar separado de mim?
_Quer que eu diga sim ou use outras palavras para ser afirmativo?
_Eu não sei o que se passa nessa sua mente louca mas vou te dar poucas palavras para você me explicar isso antes que eu tenha que sair daqui para não mais voltar.
_É nossa última noite e depois que tudo acabar eu não sei para onde iremos depois. Não sei sobre céu, não sei sobre inferno ou sobre qualquer outra forma de redenção. Mas sei que se eu perdesse a última oportunidade de te ver, aqui, neste plano ou qualquer outro nome que você queira dar para o nosso tempo, eu teria tanta saudade de um último momento, tanta vontade, tanta força que te encontraria onde fosse e criaria um novo mundo só para gente morar. E então, perder um último momento seria o motivo para nos eternizar.
Admiro a maneira como as pessoas superam amores desvalidos.
Um dia de lágrimas e outro dia de festa.
Faz do desencontro uma ocasião pra logo descansar nos braços de outros encontros.
Amor fugaz.
Admiro mas me vejo de um lado contrário.
Hoje, tenho um amor vencido.
Sem mais forças pra lutar, meu exército está caido.
Flores espalhadas pela sala, algumas velas (insistência de manter um ar fúnebre), pessoas vestidas de luto se encontravam pelos cantos dizendo frases bestas.
“Ele era tão bom...”
“Mas um rapaz tão novo...”.
A palidez dos sentimentos reinava pelo lugar.
Mas dentro do caixão... ninguém.
Era o seu velório mas não teve tempo de presenciar.
Depois de morrer percebeu que tinha compromissos pendentes com a vida.
Aqui na praça tudo cheira à mesmice das coisas banais. Do passeio desengonçado dos pombos ao beijo dos casais.
De quem fica pra esperar alguns minutos a quem ficou porque esperou tempo demais.
Tudo me cheira a coisas banais.